O que é nutrição parenteral? | Síndrome do intestino curto
A falência intestinal é uma condição rara e grave em que o intestino perde a capacidade de absorver adequadamente nutrientes, líquidos e eletrólitos, comprometendo a nutrição e a hidratação do corpo. Em termos simples, o sistema digestivo deixa de cumprir sua função essencial: absorver os nutrientes necessários para manter a vida. Pacientes com essa condição precisam depender da nutrição parenteral (NP), um método em que nutrientes são administrados diretamente na corrente sanguínea por meio de um cateter.
Causas e Impacto da Falência Intestinal
A falência intestinal pode ser provocada por diversas condições que levam à perda funcional ou estrutural do intestino, como:
● Ressecções intestinais extensas, como ocorre na síndrome do intestino curto (SIC), uma situação em que uma parte significativa do intestino é removida cirurgicamente ou perde a função.
● Isquemia intestinal, quando ocorre interrupção ou redução do fluxo sanguíneo para o intestino.
● Doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn, ou enterites decorrentes de tratamento com radiação (enterites radioativas).
● Eventos vasculares ou obstruções intestinais, como o vólvulo (torção do intestino).
A síndrome do intestino curto (SIC) representa a principal causa de falência intestinal e pode afetar tanto adultos quanto crianças. Nos adultos, é frequentemente resultado de intervenções cirúrgicas devido a doenças inflamatórias intestinais, traumas ou eventos vasculares. Já nas crianças, causas congênitas, como a enterocolite necrosante (comum em prematuros), defeitos da parede abdominal (gastrosquise), atresia intestinal (ausência de segmentos intestinais) ou doença de Hirschsprung (ausência de células nervosas no intestino), são mais frequentes.
Consequências da Síndrome do Intestino Curto (SIC)
A SIC leva à má absorção de nutrientes e líquidos, gerando riscos como:
● Deficiências nutricionais, que podem causar perda de peso, dificuldades no ganho ponderal e, em crianças, atrasos no crescimento e desenvolvimento.
● Desidratação, evidenciada por sede excessiva, urina escura ou em pequena quantidade.
● Desequilíbrio de eletrólitos, causando fraqueza muscular e alterações metabólicas.
● Diarreia e aumento do volume das evacuações, o que agrava ainda mais a perda de líquidos e nutrientes.
Embora a nutrição parenteral seja fundamental para manter a vida desses pacientes, não promove a adaptação ou regeneração do intestino remanescente.
Diagnóstico e Tratamento Inicial
O diagnóstico da síndrome do intestino curto envolve a análise do histórico clínico e exames de imagem que avaliam a extensão do intestino restante. Embora não existam exames de sangue específicos para SIC, avaliações periódicas de vitaminas, eletrólitos e nutrientes são essenciais para monitorar deficiências e evitar complicações.
O objetivo inicial do tratamento é promover a adaptação do intestino remanescente, que consiste em ajudar o intestino a absorver melhor os nutrientes. Isso pode ser feito com medidas clínicas, como o uso de análogos de GLP-2, substâncias que estimulam o crescimento e o funcionamento intestinal.
O Papel do Transplante de Intestino
Nos casos em que a dependência de nutrição parenteral causa complicações graves, como infecções recorrentes, tromboses venosas e disfunção hepática, o transplante de intestino pode ser indicado.
Existem diferentes tipos de transplante:
● Transplante de intestino delgado isolado, indicado quando a falência intestinal não está associada a outros órgãos comprometidos.
● Transplante multivisceral, realizado quando a falência intestinal está associada a doenças hepáticas irreversíveis ou tromboses graves em veias abdominais, envolvendo o transplante de outros órgãos como fígado, pâncreas e estômago.
Avanços e Resultados do Transplante
Com os avanços no manejo clínico e nos cuidados pós-operatórios, as taxas de sobrevida após o transplante intestinal têm melhorado significativamente. Centros de excelência, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, têm registrado resultados promissores, com melhora importante na qualidade de vida dos pacientes.
Por outro lado, muitos pacientes que permanecem em tratamento com nutrição parenteral domiciliar podem ter uma boa qualidade de vida, dependendo do manejo adequado e do suporte de uma equipe especializada.
Qualidade de Vida
Estudos mostram que pacientes que conseguem se manter estáveis com a nutrição parenteral domiciliar têm qualidade de vida comparável à de transplantados. Por outro lado, aqueles que aguardam o transplante frequentemente enfrentam hospitalizações recorrentes e complicações mais graves.
Considerações Finais
O tratamento da falência intestinal é um desafio complexo, que requer uma abordagem multidisciplinar em centros especializados. O transplante de intestino pode ser uma alternativa importante para pacientes com complicações graves ou sem outras opções terapêuticas. Ainda assim, estratégias de reabilitação intestinal e tratamentos avançados devem ser considerados como parte do manejo global, visando oferecer a esses pacientes não apenas sobrevida, mas também qualidade de vida.
Dra. Luciana Haddad
CRM 105.296
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ANPROM/BR/REV/0170 – Janeiro/2025